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De fenômeno nas pistas a assassino: julgamentos contam história de corredor

30/01/2024

Por Andrei Kampff

Um dos principais personagens do esporte sul-africano voltou às manchetes do mundo no início desse ano. Depois de nove anos preso, o ex-atleta Oscar Pistorius, condenado por matar a namorada, recebeu liberdade condicional.

Mas antes de ser preso e sentenciado a 16 anos de prisão por assassinato em 2017, Pistorius foi um ídolo do esporte na África do Sul.

Ele chegou a ser chamado de ‘Blade Runner’, por conta de suas pernas protéticas de fibra de carbono e seu desempenho nas pistas. Um atleta que tinha tudo para ser lembrado eternamente como um fenômeno do esporte, pelas conquistas nas pistas e nos tribunais.

Quero voltar a lembrar de uma delas aqui, quando a equipe jurídica de Pistorius usou regras de proteção de direitos humanos para sair vitorioso de um julgamento.

Em 2012, Pistorius se tornou o primeiro atleta paralímpico a disputar uma olimpíada em igualdade de condições com atletas sem deficiência.

E o caminho não foi fácil.

Quem foi Pistorius

Pistorius venceu a lógica. Nasceu em 1986 sem as fíbulas (ossos das pernas), o que forçou uma dupla amputação aos 18 meses de idade. Aparentemente sem talento, aos 12 anos ele surpreendeu a todos e se tornou um fenômeno no atletismo.

Para vencer obstáculos, é preciso superar medos. Ele se misturava aos meninos da idade e participava de partidas de rúgbi. Aos 15 anos, também de competições de atletismo. Com a ajuda de um tipo revolucionário de prótese, virou um supercampeão das pistas.

Em três paralimpíadas, Atenas, Pequim e Londres, ganhou seis medalhas, sendo quatro de ouro. Mas ele precisava de mais. Pistorius queria competir entre os melhores do mundo em competições para não deficientes. E ele tinha conseguido os índices exigidos para isso.

Mas havia um problema, as próteses usadas para competir. Para membros do Comitê Olímpico ela poderia dar vantagem competitiva ao sul-africano.

O caso lex sportiva e direitos humanos

Alcançar o tempo mínimo estabelecido para participar de uma Olimpíada não era suficiente. Era preciso saber se a prótese que Pistorius usava para correr daria a ele uma vantagem competitiva, algo que o esporte precisa evitar.

Em 2008 a Federação Internacional de Atletismo o proibiu de competir com atletas não amputados, alegando que sua prótese conferia vantagem com relação aos atletas convencionais, ferindo o princípio da igualdade entre os competidores, algo indispensável dentro da Lex Sportiva.

Para a IAAF, a utilização da prótese violaria a regra da competição nº 144.2 (e), que proíbe o uso de qualquer equipamento que incorpore molas, rodas ou qualquer outro elemento que forneça ao atleta uma vantagem sobre outro.

defesa de Pistorius recorreu ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) alegando que a decisão era discriminatória, ferindo princípios de Direitos Humanos, além de não respeitar acesso igualitário e valores olímpicos. Entre as alegações, usava o art. 30.5 da Convenção Internacional de Direitos de Pessoas com Deficiência.

Esse artigo dispõe que os Estados Membros deverão encorajar e promover a participação das pessoas com deficiência nas atividades em todos os níveis com vista a permitir-lhes participar em igualdade de condições às atividades esportivas.

O time de intérpretes tinha como base para a resolução de conflitos o regulamento da IAAF e, para as questões de fundo, a ordem jurídica de Mônaco (país sede da IAAF) .

O painel do TAS verificou, então, se Convenção era ou não aplicável ao caso. Como Mônaco não ratificou a Convenção, ela não poderia ser aplicada ao caso concreto. Mesmo com o fato sendo motivo para afastar de início a aplicação da Convenção, o Tribunal decidiu analisar se as previsões poderiam ser aplicadas ao caso.

A painel interpretou a Convenção como se ela requeresse que a um atleta, como o recorrente, fosse permitido competir nas mesmas condições que outros , sendo esta a questão a ser decidida. Ou seja, se ele está ou não competindo em uma base igual com outros atletas que não utilizam a sua prótese.

A Turma julgadora entendeu que a proibição de Pistorius competir com atletas não amputados não atingia a Convenção.

A questão se complicava para Pistorius. A Lex Sportiva não seria confrontada pela Lex Pública.

O painel, então, passou a analisar unicamente se a prótese traria mesmo vantagem esportiva para Pistorius, violando de fato o art. 144.2 das Regras de Competição, o que inviabilizaria sua participação nas olimpíadas e em competições para não amputados.

Entendeu o TAS que não.

Pistorius venceu.

O TAS acatou o recurso do atleta.

Porém, o argumento foi de que a IAAF, sendo a responsável pelo ônus da prova, não conseguiu demonstrar que aquela prótese desigualava as condições entre competidores. Ou seja, que a prótese realmente daria vantagem competitiva para Pistorius.

A Turma deixou em aberto a questão, caso alguma nova pesquisa conseguisse provar que ele era beneficiado.

Na história

No dia 4 de agosto de 2012, na Olimpíada de Londres, Inglaterra, se tornou o primeiro atleta paralímpico a disputar uma olimpíada em igualdade de condições com os demais atletas, alcançando a classificação para as semifinais dos 400 metros rasos.

No dia 9 de agosto de 2012, juntamente com a equipe de revezamento 4×400 da África do Sul, se classificou para a final da modalidade na Olimpíada de Londres.

Menos de um ano depois, a vida desse fenômeno do esporte mudou totalmente de rumo.

Em fevereiro de 2013, a modelo e namorada de Pistorius, Reeva Steenkamp, de 30 anos, apareceu morta na casa do atleta.

Com a decisão da Justiça, Pistorius passou a ser, além de um fenômeno das pistas, um assassino.

Mais sobre: TAS, sentença n. 2008/A/1480, de 16 de maio de 2008.

Crédito imagem: JULIA VYNOKUROVA/GETTY

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