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Do exercício da profissão de treinador esportivo no Brasil à luz da Lei nº 14.597/2023

21/09/2023

Por Pedro Baumgarten Cirne Lima[1]

Promulgada em 14 de junho de 2023, a Lei Geral do Esporte, Lei nº 14.597/2023, em seu art. 75, reconhece e regulamenta a profissão de treinador esportivo no Brasil:

Art. 75. A profissão de treinador esportivo é reconhecida e regulada por esta Lei, sem prejuízo das disposições não colidentes constantes da legislação vigente, do respectivo contrato de trabalho ou de acordos ou convenções coletivas.

§ 1º Considera-se treinador esportivo profissional a pessoa que possui como principal atividade remunerada a preparação e a supervisão da atividade esportiva de um ou vários atletas profissionais.

§ 2º O exercício da profissão de treinador esportivo em organização de prática esportiva profissional fica assegurado exclusivamente:

I – aos portadores de diploma de educação física;

II – aos portadores de diploma de formação profissional em nível superior em curso de formação profissional oficial de treinador esportivo, devidamente reconhecido pelo Ministério da Educação, ou em curso de formação profissional ministrado pela organização nacional que administra e regula a respectiva modalidade esportiva;

III – aos que, na data da publicação desta Lei, estejam exercendo, comprovadamente, há mais de 3 (três) anos, a profissão de treinador esportivo em organização de prática esportiva profissional.

§ 3º Os ex-atletas podem exercer a atividade de treinador esportivo, desde que:

I – comprovem ter exercido a atividade de atleta por 3 (três) anos consecutivos ou por 5 (cinco) anos alternados, devidamente comprovados pela respectiva organização que administra e regula a modalidade esportiva; e

II – participem de curso de formação de treinadores, reconhecido pela respectiva organização que administra e regula a modalidade esportiva.

§ 4º É permitido o exercício da profissão a treinadores estrangeiros, desde que comprovem ter licença de sua associação nacional de origem.”

Assunto não tratado pela Lei Pelé, a profissão de treinador esportivo, até então, na legislação ordinária brasileira, era objeto de um único diploma legal, a Lei nº 8.650/93, que “Dispõe sobre as relações de trabalho do Treinador Profissional de Futebol e dá outras providências”.

Como seu exame demonstra, trata-se de lei aplicável apenas aos treinadores de futebol em suas relações de trabalho, razão pela qual a nova lei supre importante lacuna legislativa, reconhecendo e regulamentando profissão que é há muito tempo exercida no país sem o devido amparo legal.

Como se conclui da leitura do inciso II do art. 75, a nova  lei estabelece que podem ser treinadores esportivos não apenas os portadores do diploma em educação física, estes expressamente submetidos à fiscalização dos Conselho Regionais de Educação Física, como também “os portadores de diploma de formação profissional em nível superior em curso de formação profissional oficial de treinador esportivo, devidamente reconhecido pelo Ministério da Educação, ou em curso de formação profissional ministrado pela organização nacional que administra e regula a respectiva modalidade esportiva”.

Ou seja, os treinadores possuidores de diplomas de cursos de treinador reconhecido pelo Ministério da Educação e, ainda, os portadores de diploma de curso de formação profissional ministrado pela organização que administra e regula a respectiva modalidade esportiva, segundo a nova lei do esporte, podem exercer a profissão de treinador esportivo no Brasil.

Portanto, a lei em vigor expressamente autoriza que os treinadores portadores de diploma de aprovação em curso de treinador de futebol ministrado pela CBF – Confederação Brasileira de Futebol, assim como os treinadores portadores de diploma de aprovação em curso de treinador de voleibol ministrado pela CBV – Confederação Brasileira de Voleibol (para ficar nos dois esportes mais populares do país), exerçam suas atividades profissionais independentemente de qualquer outro requisito legal.

Prosseguindo, da leitura do § 4º acima transcrito, tem-se que o treinador estrangeiro pode exercer a profissão no Brasil, desde que comprove ter licença de sua associação nacional de origem.

Referido dispositivo legal acaba por esclarecer situação que é alvo de atuação dos Conselhos Regionais de Educação Física, os quais, embora carentes de amparo legal, frequentemente autuavam treinadores esportivos brasileiros e estrangeiros porque não estão inscritos nos citados Conselhos.

Careciam de amparo legal porque a Lei nº 9.696/98, que Dispõe sobre a regulamentação da Profissão de Educação Física e cria os respectivos Conselho Federal e Conselhos Regionais de Educação Física. ) não prevê, nos artigos 1° a 3°, a atividade de instrutor de tênis, vôlei, futebol, basquete etc como privativa dos profissionais graduados em educação física.

Além disso, porque tais autuações violavam a regra da liberdade de exercício profissional prevista no art. 5º, XIII, da Constituição Federal, segundo a qual é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

E muitos desses treinadores, embora não fossem titulares de diplomas de cursos superiores em educação física, possuíam formação adequada, portando certificações e diplomas de cursos de treinadores e licenças de suas federações e confederações desportivas nacionais para atuar como treinadores em suas respectivas modalidades esportivas, os quais, porém, não eram reconhecidos pelos CREF que, mesmo sem poder fiscalizatório, os autuava e os procurava impedir de exercer suas atividades profissionais.

Tão ilegal era a atuação dos Conselhos Regionais de Educação Física que a Justiça Federal, em várias ocasiões, expressamente reconheceu a liberdade de atuação de treinadores de vôlei, tênis e outras modalidades independentemente de graduação em curso superior de Educação Física ou de inscrição nos mencionados Conselhos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA (CREF). REGISTRO/INSCRIÇÃO. TREINADOR/INSTRUTOR DE VÔLEI. DESNECESSIDADE.  1. A atividade de um instrutor ou treinador está associada às táticas do esporte em si, e não à atividade física propriamente dita, o que torna dispensável a graduação específica em Educação Física.  2. Inexiste comando normativo que submeta instrutores ou treinadores de vôlei, desprovidos de diploma em Educação Física, à inscrição nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física, tampouco há qualquer menção ao aludido ofício no rol de atividades próprias dos profissionais de Educação Física. (TRF4, AG 5014939-42.2023.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, juntado aos autos em 15/09/2023)

ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. INSTRUTOR TÉCNICO DE TÊNIS. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. REGISTRO NÃO OBRIGATÓRIO.  1.  A Lei n° 9.696/98, ao disciplinar a profissão de educador físico, não contempla a instrução técnica de tênis ou “beach tennis” como atividade privativa de profissional de Educação Física, tampouco sujeita a registro nos respectivos Conselhos Regionais. 2. Remessa necessária improvida. (TRF4 5057680-83.2022.4.04.7000, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 02/08/2023)

Agora, surge, para os treinadores brasileiros e estrangeiros, expressa disposição legal permitindo-lhes exercer a profissão de treinador esportivo no Brasil sem diploma de curso superior em Educação Física. Quanto aos nacionais, desde que “portadores de diploma de formação profissional em nível superior em curso de formação profissional oficial de treinador esportivo, devidamente reconhecido pelo Ministério da Educação, ou em curso de formação profissional ministrado pela organização nacional que administra e regula a respectiva modalidade esportiva”.

Em relação aos estrangeiros, desde que comprovem “ter licença de sua associação nacional de origem”.

E os treinadores esportivos, desde que cumprindo os requisitos previstos na Lei Geral do Esporte, certamente poderão exercer suas atividades profissionais sem necessidade de inscrição nos Conselhos Regionais de Educação Física, a cuja fiscalização não estão submetidos. Trata-se de importante avanço legislativo, que, por certo, ainda será objeto de questionamentos e ações por parte dos referidos conselhos, até que seja devidamente compreendido e implementado na prática.

[1] Advogado, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS em 1991, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio Grande do Sul, sob o nº 30.971. Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito da Empresa e da Economia pela Escola de Economia da FGV/RJ. Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Internacional – “O Novo Direito Internacional” pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFRGS. Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Desportivo pela Faculdade CERS.

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