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O legado de Papa Francisco ao esporte: “é preciso construir pontes e não muros”

29/04/2025

Por Andrei Kampff

Papa Francisco nos deixou. E aqui não quero escrever sobre o significado religioso desse argentino que guiou o mundo católico por 12 anos, mas sim sobre o seu legado humanitário — especialmente sua atenção ao esporte como instrumento de transformação social. Afinal, a frase do papa, “A dignidade de cada ser humano é a base da paz e da justiça na sociedade”, soa como um verdadeiro mantra diante do desafio que o esporte tem de proteger os direitos humanos.

O papel do esporte na ONU

O dia 6 de abril é o Dia Internacional do Esporte para o Desenvolvimento e pela Paz, uma data instituída pela Organização das Nações Unidas em razão da relevância política e social do esporte. A escolha remete à realização dos primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, símbolo da união entre povos por meio da competição e da solidariedade.

O reconhecimento do esporte como ferramenta de paz e desenvolvimento não é recente. Em 2003, a ONU publicou a Resolução 58/5, intitulada “Esporte como um meio para promover educação, saúde, desenvolvimento e paz”. Dois anos depois, a Resolução A/60/L.1 reafirmava esse entendimento ao declarar:

“Acreditamos que hoje, mais do que nunca, vivemos num mundo global e interdependente. Nenhum Estado pode existir numa situação de total isolamento. Reconhecemos que a segurança coletiva depende de uma cooperação eficaz na luta contra ameaças transnacionais, em conformidade com o direito internacional.”

Com isso, os chefes de Estado reafirmaram o compromisso com a construção e manutenção da paz e com o respeito aos direitos humanos. A ONU reconhece o esporte não apenas como ferramenta para atingir os Objetivos do Milênio, mas como um meio eficaz de promover uma cultura de paz, tolerância e compreensão.

A própria Resolução enfatiza:

“Salientamos que o desporto pode ajudar a promover a paz e o desenvolvimento e contribuir para um clima de tolerância e compreensão.”

Ou seja, não há como dissociar o esporte dos direitos humanos.

A mensagem da Páscoa e o exemplo de Francisco

No domingo de Páscoa, visivelmente fragilizado, papa Francisco enviou uma mensagem tocante a partir do Vaticano. Disse que a Páscoa não é uma fórmula mágica que faz desaparecer os problemas, mas sim a vitória do amor sobre o mal, “marca exclusiva do poder de Deus”. A mensagem reforça um valor essencial: cultivar o afeto, a empatia, a solidariedade — pilares de um mundo mais justo e feliz.

O papa Francisco, conhecido por sua simplicidade e conexão com o povo, nunca escondeu seu amor pelo futebol — um traço marcante de sua identidade latino-americana. Torcedor declarado do San Lorenzo de Almagro, clube de seu coração desde a infância em Buenos Aires, via no esporte muito mais que um jogo: uma metáfora da vida coletiva, onde o trabalho em equipe, a fair play e a superação refletem valores essenciais para uma sociedade mais justa.

Em diversas ocasiões, recebeu times e atletas no Vaticano, presenteou líderes mundiais com camisas personalizadas e destacou o poder do futebol como linguagem universal capaz de romper barreiras. “O esporte é uma escola de paz”, repetia, lembrando que, assim como na vida, no futebol o verdadeiro triunfo está no respeito ao adversário e na construção de pontes — nunca no individualismo ou na exclusão. Sua relação com o jogo era, em essência, um reflexo de sua mensagem: a alegria simples, a fraternidade e a esperança de que, juntos, podemos sempre construir um mundo melhor.

O esporte, historicamente, tem sido catalisador de transformações sociais. Esteve presente na luta contra o racismo, na inclusão dos mais pobres, e até na redemocratização brasileira durante a ditadura militar. No mundo, muitos atletas entenderam que sua força vai além de uma quadra, pista ou campo — são agentes ativos na construção de uma sociedade mais humana e menos excludente.

Essa atuação é ainda mais necessária quando enfrentamos crises de saúde pública, guerras, mensagens xenófobas ou combatemos preconceitos como homofobia, racismo e misoginia. Nesses momentos de dor e reconstrução, como os que simbolicamente também se ligam à Páscoa, o esporte pode — e deve — assumir o papel social que dele se espera.

“construir pontes”

Tivemos o privilégio de assistir a um pontificado latino americano e humano, que fez circular no Vaticano novas ideias e novas leituras sobre o sagrado, que fez provocações que o mundo precisava ouvir e que estampou uma imagem muito diferente de um líder da igreja católica: uma imagem sorridente, confirmando que as lideranças genuínas nunca são inacessíveis, assim como quem prega amor e alegria.

Papa Francisco nos ensinou que “Construir pontes, não muros” deve ser o propósito de todos. Deve ser um princípio inegociável do esporte. Seu legado é uma vitória sobre a desesperança. E talvez nada simbolize tanto essa travessia entre o humano e o divino quanto o esporte — espaço onde se disputa, se supera e, sobretudo, se aprende a respeitar o outro.

Como também nos disse Francisco:

“A verdadeira força do esporte não está na vitória, mas nos valores que ele transmite: perseverança, sacrifício, honestidade e solidariedade.”

Esse é o espírito que permanece. E esse é o legado que seguimos.

Crédito imagem: San Lorenzo/Divulgação

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