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Publicidade de apostas e influenciadores – restrições e alcance das normas vigentes

23/02/2024

Por Ana Mizutori

O fatídico período de pandemia foi registrado por inúmeras transmissões ao vivo disponibilizadas por plataformas das mais diversas mídias sociais. A possibilidade de interação virtual cresceu expressivamente durante a fase de isolamento social, e artistas e influenciadores digitais aproveitaram a ocasião para exibir as suas programações.

Algumas dessas apresentações culminaram em desdobramentos jurídicos, como ocorreu no show virtual feito pelo cantor sertanejo Gusttavo Lima, que respondeu por uma Representação Ética instaurada pelo CONAR, para investigar irregularidades na publicidade de bebidas, que estaria sendo realizada sem identificação adequada ao público, além de influência ao consumo irresponsável de bebidas alcóolicas, em desacordo com o que dispõe o anexo “P” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.

A objetividade jurídica do documento pautado pelo CONAR é a responsabilidade social dos anúncios, ainda que indiretos (talvez, sobretudo estes), exibidos nas transmissões, sendo, portanto, o bem jurídico tutelado nesse contexto, a publicidade no comércio digital.

A informação acima se conecta essencialmente com outra questão enfrentada hordiernamente, que são as publicidades de jogos online e apostas, promovidas por personalidades notórias, conhecidas por seu expressivo alcance e influência digital, sejam atletas, artistas ou criadores de conteúdo.

Sob a ótica jurídica, pode-se afirmar que as personalidades com influência digital se equiparam ao conceito de fornecedor, ante a sua atuação frente ao seu público-alvo, que se caracterizam distintamente como consumidores.

À luz do art. 2° do Código de Defesa do Consumidor, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, prevalecendo o que a doutrina designou como teoria finalista do direito consumerista, sendo esta encampada pela jurisprudência do STJ. Nesse cenário, há exceções para que se amplie o conceito de consumidor, ainda que não seja este o destinatário final, mas que comprove a vulnerabilidade em uma relação jurídica assimétrica de consumo.

O conceito de fornecedor, segundo o art. 3º da Lei 8.078/90, é “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvam atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

O papel do influenciador na sociedade consumerista se encaixa na definição inferida acima, e tal constatação importa para a necessária responsabilização civil, uma vez que, de acordo com as normas dispostas no CDC, o fornecedor responde solidária e objetivamente pelos produtos e serviços divulgados.

Ao influenciador digital, portanto, se impõe o reconhecimento de obrigações e deveres pelo conteúdo que divulgam em suas mídias sociais.

Quanto à publicidade de apostas, após a promulgação da Lei 14.790/23, a qual dispõe sobre a modalidade lotérica denominada apostas por quota fixa, o art. 16 determina que as ações de comunicação, de publicidade e de marketing da loteria de apostas de quota fixa observarão a regulamentação do Ministério da Fazenda, incentivada a autorregulamentação.

Ademais, inclui os incisos do citado artigo da lei, os quais preveem a necessidade de avisos de desestímulo ao jogo e advertência sobre os seus malefícios, entre outras ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, além da proibição de participação de menores de 18 anos e elaboração de código de conduta e da difusão de boas práticas.

Na linha da autorregulamentação, o já citado CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), organização competente para fiscalizar e regular a publicidade, estabeleceu balizadores para as apostas esportivas, através de regulamentação específica sobre o tema,  passando a restringir a publicidade de apostas, de forma a limitar a sua veiculação e audiência, vedando a associação das apostas à imagem de sucesso financeiro ou à alternativa de remuneração e emprego, impondo, ainda, a inclusão de advertências comunicando os riscos associados aos jogos e a importância do jogo responsável, vedando, todas as formas de incentivos às apostas, como bônus de depósito, ou outras ações que encorajem as pessoas a apostar.

De acordo com o CONAR,  as regras específicas existentes para regular a publicidade relacionada a apostas esportivas no Brasil, encontram-se definidas no Anexo X do CONAR, publicado após a sanção da Lei 14.790/2023, sendo algumas destas: (i) a identificação da licença, devendo os anúncios incluir a identificação da licença concedida pela autoridade competente como pré-requisito para divulgação em qualquer meio de comunicação; (ii) apresentação fidedigna dos serviços, devendo o fornecimento de anúncios corresponder a uma apresentação real dos serviços oferecidos e devem abster-se de prometer ganhos garantidos ou fáceis ou resultados elevados; (iii)  vedação de informações enganosas, de forma a impedir publicidade irrealista sobre a probabilidade de ganhar apostas ou sugerir que aumentar a quantidade de apostas aumentará as chances de ganhar; (iv) desencorajamento de mensagens de enriquecimento

A responsabilidade dos influenciadores e famosos por publicidade é um tópico importante no contexto da regulamentação publicitária. No Brasil, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária estabelece regras específicas para esse tipo de publicidade.

De acordo com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária do CONAR, um dos princípios fundamentais é o de que a publicidade deve ser claramente identificada como tal, de forma a não induzir o consumidor a erro. Isso significa que é necessário que a publicidade realizada por influenciadores e famosos seja devidamente sinalizada como tal, para que os consumidores tenham plena ciência de que se trata de uma promoção paga.

Além disso, o CONAR também estabelece que os influenciadores e famosos são responsáveis por assegurar a veracidade das informações divulgadas e por evitar a prática de publicidade enganosa. Eles devem ser diligentes ao verificar a qualidade ou eficácia dos produtos ou serviços que estejam anunciando e devem abster-se de fazer afirmações falsas ou enganosas.

Caso haja violação das regras do CONAR, a entidade pode ser acionada para analisar a denúncia e, se considerar procedente, aplicar sanções aos responsáveis pela publicidade, podendo incluir desde advertências até a recomendação de suspensão da veiculação da campanha em questão.

Entre outras diretrizes e regulamentos para publicidade impostos pelo CONAR, passam a ser impostos princípios éticos e padrões publicitários, observando valores sociais, culturais e a lei pertinente.

Além das regras específicas do CONAR, a própria Lei das Apostas Esportivas, em seu art. 17, traz restrições no que se refere à publicidade, vedando a publicidade de empresas de apostas que não tenham obtido autorização prévia nos termos da Lei 14.790/23. Ademais, proíbe que as publicidades de apostas afirmem probabilidades de ganho ou a fomentem a expectativa de incremento financeiro, bem como que se apresentem como socialmente atraente e que sejam promovidas em ambiente escolar,  universitário ou em ambientes frequentados por pessoas menores de idade.

Por fim, a lei veda que as publicidades de apostas contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social.

Vale ressaltar que o citado art. 17 da Lei é determinado sem prejuízo de qualquer regulamentação complementar e posterior do Ministério da Fazenda.  Em outros termos, a despeito de projeto de lei existente sobre o assunto, ou regulamentação adicional emanada pelo Ministério da Fazenda e pelo CONAR, a lei vigente que regula o setor, já impõe vedações a serem observadas.

Ao contrário disso, ainda se registram inúmeras personalidades notórias e influenciadores digitais promovendo publicidade de jogos online e apostas, divulgando empresas que sequer possuem licença e autorização para atuar em território nacional, consoante o que determina a lei.

À vista disso, não obstante a importância de se destrinçar pontualmente as publicidades no comércio digital, notadamente no que tange à atual questão das apostas esportivas, pode-se afirmar que a responsabilidade civil dos influenciadores digitais é regida por princípios gerais do direito civil, assim como pela lei vigente recentemente promulgada, além de demais normativas esparsas relacionadas à proteção do consumidor, publicidade e outros aspectos legais que se aplicam ao ambiente digital

Com isso, ainda que inexistisse previsão expressa na Lei 14.790/23 sobre a restrição de personalidades conhecidas ou celebridades de associarem apostas à conduta socialmente atraente ou relacionar à êxito social ou financeiro, o ordenamento jurídico brasileiro já conta com previsões que permitam a responsabilização de quem promove publicidade enganosa ou abusiva, devendo responder por eventuais danos causados ao consumidor, de acordo com previsão da lei consumerista, da mesma forma que incumbe ao profissional a responsabilidade por produtos e serviços, sendo responsável pela divulgação de produto ou serviço defeituoso ou prejudicial, ele pode ser responsabilizado por danos decorrentes desse produto ou serviço, de acordo com as normas de responsabilidade civil previstas no Código Civil.

Outrossim, acerca da autorregulamentação, importante mencionar as regras estabelecidas no Código de Ética emanado pela organização desportiva do futebol, a qual proíbe dirigentes, técnicos, árbitros e jogadores a realizarem apostas esportivas, de forma a proteger o próprio mercado, através de medidas capazes de mitigar situações conflitantes com a ética e a integridade desportiva.

Em resumo, o marketing de influência, desde o seu surgimento e com o decorrer de sua ascensão, deixou de ser conduzido à inércia legislativa, passando a integrar o escopo de importantes discussões do setor para regulamentação adequada, visando os melhores interesses de seus componentes, sendo imprescindível a compreensão da responsabilidade legal das normas aplicáveis ao tema, sendo estas em constantes aprimoramento com as recentes movimentações.

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